sábado

Caçador de sóis


Caçador de sóis
Ala dos Namorados

Pelo céu às cavalitas,
Escondi nos teus caracóis,
A estrela mais bonita, que eu já vi

Eu cresci com um encanto,
De ser caçador de sóis,
Eu já corri tanto, tanto para ti

Fui um príncipe encantado
Montado nos teus joelhos,
Um eterno enamorado, a valer

Lancelot de algibeira,
Mas segui os teus conselhos
Para voltar à tua beira
E ser o que eu quiser

(Refrão x2)
Os teus olhos foram esperança
Os meus olhos girassóis
Fomos onde a vista alcança da nossa janela

Já deixei de ser criança e tu dormes à lareira
Ainda sinto a minha estrela nos teus caracóis

(Refrão)
Os teus olhos foram esperança
Os meus olhos girassóis
Fomos onde a vista alcança da nossa janela

Já deixei de ser criança e tu dormes à lareira
Ainda sinto a minha estrela nos teus caracóis

(Refrão)
Os teus olhos foram esperança
Os meus olhos girassóis
Fomos onde a vista alcança da nossa janela

Já deixei de ser criança e tu dormes à lareira
Ainda sinto a minha estrela nos teus caracóis

O tempo


Decidiu mimar-se. Despiu-se, cobriu cuidadosamente o gesso com matéria plástica e no fim vestiu-lhe um saco plástico que selou cuidadosamente. Pegou nos sais, deitou-se na banheira, cobriu-se com eles e deixou que a água morna que tivera o cuidado de temperar antecipadamente a cobrisse devagarinho e desfizesse os sais que começavam a libertar o aroma e a espalhá-lo por todo o corpo. Deixara a perna levantada, engenhosamente apoiada a um apoio de banheira. Uma musiquinha suave enchia o ambiente e levava-a a viajar. Não sabe por quanto tempo ficou ali. Perdia-se ás vezes no tempo. Por tempo demais. E tanta coisa passava por ela sem se dar conta! Era tempo de dar conta do tempo. Pensou um pouco nos últimos dias e no que lhe tinha acontecido. A ela, a Júlia, a Maria, a todos que se cruzaram com ela duma forma ou doutra. E admirou-se de tanta coisa em tão pouco tempo. E questionou-se com tanta outra. Afinal nada sabia de Frederico. E Francisco, que novidades trará?
Há algum tempo já que não falava com Júlia e pressentia-a preocupada, quase ausente. Tinha de tirar um tempo para falar com ela. Ai o tempo! Esse atrevido que não se mede nem deixa medir. Não se contem nem deixa conter. Passa sem deixar nem sombra de tão rápido avançar. Mesmo que por vezes pareça lento. Ilusão, mera ilusão. O mesmo sol e a mesma lua num só abraço o fazem ser sempre o mesmo, sempre igual.
Mãe! E Sofia acorda dos pensamentos que a levaram dali. Sim, Maria! Responde.
Maria entreabre a porta duma casa de banho enevoada, telefone para ti, é a tia Júlia. Atende.

terça-feira

Partilha


Nessa noite apesar do cansaço e de algumas dores que nem os analgésicos conseguiam resolver Sofia e Maria conversaram até á exaustão. Era já de madrugada quando finalmente cederam e acabaram por adormecer na cama enorme de Sofia.
Há muito que não o faziam e as gargalhadas que deram saíram-lhes com mais vontade do que nunca. Falaram de coisas esquecidas e deram-lhes de novo vida arejando-as, tirando-lhes os cheiros a bafio que se tinham já instalado. Redescobriram cumplicidades e vontades de partilha. Este tempo de ausência apesar de necessário atirara-as para caminhos diferentes e procura de novos rumos e formas de estar. Tinham-se quase esquecido de como era bom serem e estarem as duas. Como sempre tinham estado.
Sofia acordou com o sol a bater-lhe na cara e uma ligeira dor no tornozelo. Quis levantar-se e lembrou-se do gesso e do incómodo que ele lhe provocava. Tentou não acordar Maria que ainda dormia e devagar rastejou para fora da cama. Tinha sede e também alguma fome. Tentou ir até á cozinha sem fazer barulho, encostada á parede e apoiando-se ligeiramente no pé engessado. Foi uma gargalhada que a fez virar-se. Mãe que figura fazes! Maria Henrique entretanto acordara e observava a mãe que ao tentar não a acordar fazia movimentos pouco elegantes.
Levantou-se dum salto e ajudou a mãe a ir até á cozinha onde lhe preparou o pequeno-almoço. A seguir foi a confusão do banho. Aí Sofia fez questão de fazer tudo sozinha. Só precisava dum bom saco plástico para proteger o gesso. Não era nenhuma inválida!
Daí a uma hora chegou Frederico que levou mãe e filha ás compras. Sofia não quis ficar sozinha. Também quis participar. Tinha de o fazer. Depois teria de ir até ao escritório. Tinha coisas a resolver. E tinha ainda de falar com Júlia. Contar-lhe acerca do telefonema de Francisco e saber o que se passava. Ela devia saber mais alguma coisa. Estava curiosa. E…
Frederico, você deve ter a sua vida, não pode andar sempre atrás de nós, a cuidar de nós… Diz Sofia a Frederico, preocupada. Frederico responde-lhe que não. Não se preocupe, devo-lhe isto. É minha obrigação. E para já não tenho mais nada a fazer. Já lho disse. Quando tiver, lho direi.
Ah, amanhã vou trazer o Hércules. Quero que o conheça e lhe perdoe, se puder. Eu gostaria que assim fosse. Posso fazê-lo?
Claro, responde Sofia, traga-o. Não tenho razões para não gostar dele. Foi um acidente. Só isso. E a Maria também gostaria de o conhecer, aposto.
Fica combinado, então. Amanhã vamos passear o Hércules.

segunda-feira

Telefonema


A príncipio não lhe reconheceu a voz. Na verdade não contava com ele. Apesar da Júlia ter falado dele há dias não o imaginava do outro lado da linha. Nem o imaginava já ali. Francisco! Há tanto tempo! Que é feito de ti, rapaz?
O tom de surpresa da mãe fez Maria voltar-se. Francisco?! Maria adorava-o. Tratava-o carinhosamente por Tio. Seria o mesmo Francisco de que ela se lembrava, o Tio Francisco. Olhou para a mãe expectante. Sim, acenou-lhe a mãe. Era mesmo ele.
Conversou durante algum tempo ao telefone e Frederico presenciou a alegria e a ansiedade que crescia entre as duas. Pensou em mil coisas e sentiu-se quase a mais. Sentia-se quase invadido quando ainda agora começava a entrar naquele espaço e a achar-se tão bem!
Quando Sofia desligou o telefone, Maria não a largou mais. Quis saber tudo o que Francisco lhe tinha contado. Quase se esqueciam de Frederico e da pizza que entretanto esfriava não fosse o bom senso de Sofia. Não, primeiro jantamos e entretanto pomos Frederico a par do que se passa. Não é justo deixá-lo de fora.
Frederico ainda disse que não valia a pena mas acabou por assentir porque afinal estava até curioso.
E foi assim que durante o jantar Sofia acabou por contar que daí a dois dias, no próximo fim de semana, o Francisco viria visitá-las com um amigo com quem tinha um projecto. Acrescentou que ele parecia muito entusiasmado e algo misterioso.
E não perguntou por mim?
Claro que sim, Maria. Responde-lhe a mãe. Aposto até que te traz uma surpresa daquelas a que já te habituaste.
Contaste-lhe que estás assim, meia deficiente? Ele vai-se rir. Tu que nunca páras, agora agarrada e a depender de duas canadianas e doutras pessoas!
Vá não me chateies, não sejas mázinha.
Olharam uns para os outros e deixaram-se rir.
Frederico saiu só depois de combinar a que horas ia buscar Maria para fazer as compras para o fim de semana. Despediu-se com um caloroso até amanhá.

sexta-feira

Deep within


Deep within the corners of my mind
Melody Gardot


A música embalou a conversa que se prometia longa não fosse o dever que chamava Júlia e as dores que incomodavam Sofia. Frederico levou-a a casa como prometido e pediu-lhe que o chamasse quando precisasse. Trocaram números de telefone e despediram-se com mais um pedido de desculpas de Frederico.
Sofia fechou a porta e deitou-se no sofá depois de por uma musiquinha a tocar. Elevou o pé com a ajuda duma almofada e só depois telefonou a Maria a contar-lhe o sucedido. Maria prontificou-se logo a voltar a casa. Quem a ajudaria a fazer a comida e a ir ás compras? Sofia ainda insistiu que não, mas de nada valeu. Maria viria ainda essa noite. Deixaria tudo pronto e só depois voltaria. Despediu-se e Sofia não pode deixar de ficar com um sorriso. A sua menina ia cuidar dela. Sentiu uma pontinha de orgulho e deixou-se adormecer sob o efeito da medicação, ansiosa pela sua vinda e por lhe contar o que tinha acontecido.
Acordou com o telefone a tocar. Como está a Sofia? Era Frederico. Lembrei-me que talvez tivesse fome e encomendei uma pizza. Partilhamos?
Viu as horas. Era já tarde. Tinha dormido toda a tarde. Não tinha sequer almoçado. Na realidade tinha fome e Maria ainda não tinha chegado.
Desculpou-se que estava á espera da filha. Melhor, respondeu-lhe Frederico, comemos os três. Vou ter consigo daqui a meia hora. Ponha-se bonita.
Bonita? Bem… Ainda nem se tinha visto ao espelho. Nem se tinha lavado nem trocado de roupa. Teria de andar ao pé-coxinho. As canadianas não lhe davam jeito nenhum. Teria de se habituar. Força Sofia! Também não queria que Maria a visse assim e ela devia estar quase a chegar.
Logo que se aprontou ouviu telefone e campainha a tocar. Uf! Mesmo na hora. Dirigiu-se á porta e deparou-se com Frederico e Maria. Ambos conversavam como se conhecessem já de há muito. Tinham-se cruzado na entrada. Bem… Parece que não preciso de vos apresentar. Entrem.
Maria abraçou a mãe. Frederico ficou a olhá-las. Posso?
Entre Frederico. Ponha-se á vontade. Mas e o seu cão?
Esse ainda não vem. Só quando a Sofia o perdoar. Mais tarde… Agora atenda o telefone, continua a tocar.
Ambos entraram enquanto Sofia atendia o telefone.

quarta-feira

O acidente


Uma rotura de ligamentos não lhe vinha nada a calhar. Pé engessado e canadianas não faziam dela uma mulher mais ágil nem mais atractiva. Podia na melhor (ou seria pior?) das hipóteses criar alguma atenção á sua volta. Devia estar com um ar péssimo quando saiu na cadeira de rodas do hospital. Cá fora esperava-a a sua amiga Júlia acompanhada dum homem que não conhecia. Supõe então que é o dono do cão responsável pela aparatosa queda. Interrompem a conversa que parece ser amistosa e olham para ela com ar preocupado. Descansem que não morri desta, diz Sofia fazendo um sorriso, o melhor possível. Não deve ter saído muito bem porque Júlia lhe pergunta logo, tens ainda muitas dores? Algumas, responde.
O homem que acompanha Júlia apresenta-se e pede-lhe de imediato desculpa pelo sucedido prontificando-se a pagar todas as despesas e tudo o que for necessário.
Fica a saber que ele se chama Frederico e acaba de se mudar para a cidade. Ainda não conhece ninguém, assim como o cão. Talvez por causa disso este lhe tenha fugido ao ver algo que tenha estranhado. Nunca me fez isto, avança Frederico. É imperdoável. Como a hei-de compensar?
Já sei. Como não pode conduzir, comprometo-me a levá-la para onde precisar até tirar o gesso e recuperar. Tenho por agora todo o tempo do mundo, livre para si.
Sofia diz-lhe que não. Não o pode obrigar a fazer tal coisa. Resolverá a vida de outra forma. Enquanto diz isto surpreende um olhar de Júlia que ao franzir as sobrancelhas e com um gesto de assentimento lhe parece dizer, aceita! A princípio fica intrigada e continua a recusar. É então que a amiga em voz de ordem acaba a conversa: Fica combinado. Acho muito bem. O Frederico far-te-á esse favor. Como sabes eu não o posso fazer.
Dirige-se depois a Frederico e agradece-lhe o gesto. Acrescenta, e já agora antes de te levarmos a casa para descansares, vamos selar o acordo, combinado?
Sofia não teve nem tempo para dizer mais nada. Sentou-se já no carro de Frederico que seguiu o de Júlia até um barzinho perto do local de trabalho.

terça-feira

O João


Conhecera João nos seus anos de faculdade. Não faziam parte nem do mesmo grupo. Chocaram um dia um no outro. Literalmente. João sempre fora um pouco desajeitado mas, tinha um humor delicioso. Era um pouco sardento, um pouco mais alto que ela e não muito forte embora já mostrasse uma barriguinha. Tinha também umas pequenas entradas que lhe davam “um charmezinho” como Sofia gostava de salientar.
Ambos estavam carregados de papéis que voaram por todo o lado. Baixaram-se de imediato e tentaram no meio da confusão encontrar os que lhes pertenciam. Claro que trocaram alguns. Mas no meio da confusão não se deram conta e na altura mal falaram. Ambos estavam com pressa e cada um foi para seu lado. Tiveram tempo para se olharem de lado e aí cruzarem o olhar que logo devolveram a si próprios. Afastaram-se. Cada um contou aos colegas o sucedido e acabaram a rir do que se passou.
Foi a troca de papéis de que mais tarde se deram conta que os fez procurarem-se e voltarem-se a encontrar. Teria sido outra coisa. Tanto João como Sofia se tinham decorado. Foi fácil o reencontro. Procuraram-se no mesmo sítio como se tivessem combinado fazê-lo. Riram-se um com o outro do que se passou e combinaram trocar palavras e beijos em vez de papeis que falassem de direito ou economia.

Hoje enquanto pedala a caminho do trabalho, passeia estas memórias consigo. Talvez Maria Henrique encontre também o pai dos seus filhos na faculdade. Talvez viva os primeiros amores como ela os viveu.

O João foi o primeiro grande amor que Sofia teve na faculdade. Onde estará e que será feito dele? Sempre lhe ficou a curiosidade desde que deixou de o ver. As lembranças que ele lhe deixou fizeram com que ela de alguma forma o idealizasse, o construísse num outro qualquer sítio. Talvez o João nem se tornasse o homem que ela sonhou…

Foi nesta balbúrdia de pensamentos que Sofia sem dar conta é abalroada por um cão que se atravessa á sua frente e acaba por cair da bicicleta. Tentou levantar-se mas a dor que sente no tornozelo é mais forte e acaba por quase desmaiar. O único rosto que vê á sua frente é o de um homem que não reconhece e lhe pergunta, está bem? Depois só se lembra do som da ambulância.

segunda-feira

As memórias


Havia dias que traziam memórias que ninguém chamava. Vinham devagarinho e instalavam-se sem licença em pedaços de rotinas em que já não pensamos e fazemos sem nos dar conta. De repente o incómodo instala-se e só se sente real quando uma dor de cabeça se instala ou uma lágrima teimosa rola de forma inadvertida numa altura nada apropriada cara abaixo. Outras vezes são sorrisos, humores estranhos em tempos aziagos. As pessoas que presenciam tais sobressaltos estranham e questionam-se. Os que as vivem perguntam-se o que as faz vir ao de cima.
Sofia sente-se um bocado perdida no meio destes desencontros em que ora está bem, ora se sente em baixo. Sente-se a reviver coisas que pretendia arrumadas. Sempre fizera questão de deixar as coisas no seu lugar. Não sabia se era o facto da amiga estar a passar de novo pela historia do Francisco, ou se era a falta que sentia de Maria que já não via há umas semanas. As praxes, as frequências, os amigos novos levavam-lhe a filha e as conversas a que estava acostumada. Os telefonemas eram cada vez mais curtos, embora continuassem a ser diários. Faltava-lhe o calor do abraço e a presença á noite. Podia até ser só aquele vulto na cama. Bastar-lhe-ia isso.
Quantas vezes ia até ao seu quarto, ficava á porta encostada de luz apagada tentando adivinhar-lhe ainda o cheiro e a presença. Como podiam as memórias não vir visitá-la? Eram o tempero que lhe faltava. Dedicara-se demasiado á filha. Fizera-o de propósito. Pela incapacidade de olhar para si. Pelo medo de se ver e encontrar. Ocupara todos os cantos da sua vida para não haver lugar para os Franciscos que via as amigas amarem.
Não, ainda não arrrumara ainda o que julgava ordenado. Pusera apenas num quarto escuro de que ainda conservava o medo que ganhara ainda criança.
No escuro tudo podia acontecer. Sofia não tinha ainda forças nem vontade para abrir os olhos e fazer luz naquele quarto abandonado e trancado não sabia ainda por quanto tempo. Suspeitava-lhe os vultos. Ficava á porta. Como fazia no quarto da Maria Henrique.

domingo

Otra Vez


Mil veces más repetiré
una vez y otra vez una vez y otra vez
mil maneras de decir te quiero

y se muy bien que puedo y podré
si mi corazón una vez y otra vez
te hace comprender que yo te espero

cuantas veces me derrumbo
y alzo el vuelo en un segundo
tengo que aprender de cada error
tropezar, caer y al final
es tu nombre mi única verdad
(una vez y otra vez y otra vez)

y hoy habrá un baile para dos
atados tu y yo
bailando soñaré
que todo está bien
y así quiero amanecer
siempre

cuantas veces diré una vez y otra vez
una vez y otra vez sin saber quien oye mis palabras
quiero creer que hoy voy a poder
se que pude huir
pero me quedé
nunca me importó perder batallas

casi pierdo la razón
presa de tu indecisión
hoy soy reina y mañana no
y tu, otra vez, ni te alejas ni rozas mi piel
(una vez y otra vez y otra vez)

y hoy habrá un baile para dos
atados tu y yo
bailando soñaré
que todo está bien
y así quiero amanecer
siempre

y hoy habrá un baile para dos
atados tu y yo
bailando soñaré
que todo está bien
y así quiero amanecer
siempre

una vez y otra vez
una vez y otra vez,
mil palabras que son para mí
me digo que lo intentaré
que aún hay algo más que puedo hacer
ya sé que podré
y sé que no lo haré

interpretado por Noa

sábado

Nada e tudo


Como se lhe ouvisse os pensamentos, Júlia disse-lhe, o Francisco ligou-me esta semana. Não esperou pela reacção de Sofia e voltou aos papéis em que tinha começado a mexer.
Sim? E porque não disseste nada? Como está ele?
Está no Egipto, respondeu, ignorando a primeira pergunta, com uma equipa de americanos e egípcios numas escavações. Falou-me dum projecto com um professor universitário egípcio que vão iniciar brevemente, mas antes vai voltar aqui porque quer estar comigo. Disse duma só vez.
E que achas de tudo isso? Perguntou Sofia.
Que acho? Que hei-de achar? Respondeu com algum espanto.
Sofia tentou explicar melhor. Como te sentes em relação a isso?
Júlia que esperava algumas “recomendações” ou avisos, ficou sem saber o que responder. Não sabia muito bem o que responder nem muito bem o que sentir. Ainda amava muito Francisco. Sabia ter-lhe dado muito. Sentira ter recebido também muito. Não percebera ainda porque saíra ele tão abruptamente da vida dela e pudera continuar como se nada tivesse acontecido. E agora… Agora aparecera como se só tivesse ido comprar cigarros e ainda por cima não fumava. Não, não sabia ainda o que sentir além duma grande vontade de o rever. O resto revelar-se-ia quando tal acontecesse.
Foi o que disse de forma titubeante a Sofia.
Esperou que da boca de Sofia viesse uma resposta iluminada e só lhe veio um olhar e um gesto de conforto. Fez-lhe um olhar interrogativo. Queria mais.

Não sabia que Sofia tinha também decidido não ser mais “muleta" de ninguém.
Estaria para ajudar, nunca para julgar. E percebera pela vida fora que ao emitir juízos pelas acções dos outros agira de forma errada. Era por um lado o suporte das suas acções na frase mágica “ vês como tinha razão!” e a consciência exterior do outro. Júlia não o queria ser mais. E não queria que ninguém o fosse por ela.
Percebera que em cada um havia razões que só ele entenderia para agir de forma a sentir-se mais feliz e ninguém poderia roubar-lhe essa felicidade fosse do tamanho que fosse.

Abraçou Júlia. Calou-a quando lhe disse. Nada esperes e no entanto, espera tudo!

sexta-feira

Francisco



Se hoje voltara ao carro não era porque adiara o projecto da bicicleta. Era só aquela chuvinha. De qualquer forma dera para pensar noutras coisas e reafirmar as decisões que tomara. A Júlia que não a chateasse muito. Ainda há pouco tempo com a história do Francisco ela tivera razões de sobra para lhe apontar ironias feitas agulhas certeiras.
A Sofia sempre gostara do Francisco. Nunca achara era que fosse homem para ficar por ali. Aconchegado no colo que lhe oferecia a doce Júlia. Era homem de muitas viagens ainda por fazer. Duma avidez que ainda ninguém ainda podia saciar por completo. Achava ainda que não se podia perder numa só mulher, num só continente, numa só vida. Tinha a sofreguidão inscrita na alma. Uns olhos de sorver mundo. Uma alma de o acalentar.
Entregava-se inteiro e prometia-se completo. Era o sonho de todas as mulheres. Era o sonho que habitava a Júlia.
Quando ela o conheceu ocasionalmente numa exposição de quadros seus e o ouviu falar calorosamente de pintura sentiu que tinha encontrado alguém que finalmente a poderia entender. Alguém que falava com a mesma alma das mesmas coisas que ela falava e vivia. Convidou-o para um copo. Passaram o fim-de-semana juntos. Por incrível que pareça só falaram, viram exposições, espreitaram livros, ouviram músicas que descobriram a dois e beberam muitos copos. Quando a semana começou trocaram contactos. Voltaram a ver-se no fim-de-semana seguinte e noutros e fizeram outras e muitas coisas.
A Júlia andava radiante. Flutuava. Pintava como nunca. As ideias e os projectos nasciam em catadupa. O Francisco parecia fecundar a sua criatividade. Nunca a Sofia vira assim a sua amiga. Ficara feliz por ela.
No entanto Francisco desaparecia de quando em vez. Não ficava por muito tempo. Parecia precisar de respirar outros ares como se sufocasse se por ali ficasse muito mais tempo. Quem estava de fora via-o murchar como murcha uma planta. Os olhos perdiam o brilho. A voz o viço. Os movimentos o encanto. Perdia-se de si. Só A Júlia não conseguia ver extasiada na vida que ele lhe injectava. Agarrava-o com ternura, enlaçava-o em abraços cheios de doçura e embalava-o. Dizia que estava cansado e precisava de descansar. Ela fá-lo-ia descansar. Beijava-lhe os olhos, embalava-o e ao som de “Teardrop” dos Massive Attack, fazia-o adormecer.

Sofia tentava avisá-la. Júlia só percebeu quando ele não voltou um dia. Não há ironias que se apontem a amigas que sofrem. Mesmo que a ironia seja doce. Se há ironias que o são…

A solidão


A Maria Henrique tinha ido para a Universidade este ano. Sempre tivera boas notas. Aluna aplicada, trabalhadora, esforçada, mesmo. Parecia quase sempre querer provar alguma coisa a alguém. Qualquer pequeno deslize lhe soava a derrota. Era preciso sempre lembrar-lhe que era capaz e mostrar-lhe o que era tão evidente, o seu sucesso. Mesmo assim nada a satisfazia.
Sofia sentia que lhe faltaria sempre algo. Alguma palavra, algum conforto.
Sabia que apesar de todo o esforço não pudera ser nem preencher as lacunas na vida da filha. Desejara-o mas sabia-o impossível.
Júlia chegou a chamar-lhe mãe canguru. Agora a bolsa, se alguma vez a tivera, de nada lhe servia. Maria saíra de casa pela primeira vez.
A principio foram as chamadas constantes., as visitas assíduas… os medos e tantas saudades. Um mundo novo. A casa vazia.
Foi tão difícil para Maria como foi para Sofia. De forma diferente. Mas com a mesma intensidade.
Só com a chegada da Primavera despertam e percebem que a vida continua para as duas em sítios diferentes, com objectivos diferentes mesmo continuando a fazer parte da vida uma da outra. O cordão umbilical começa agora a dar de si. Ainda sem corte mas com mais liberdade e permitindo espaços mais abertos e mais ousados. Como se pudessem viajar e sentissem que acontecesse o que acontecesse o porto de abrigo estaria sempre por lá. À espera, tranquilo, sem datas nem horários.
E talvez esta solidão fosse a ponte para novas travessias que a idade ajuda a fazer. E talvez a idade ajude a construir pontes sozinho com mais segurança. E seja preciso crescer, estar sozinho para avançar, ir mais longe, ser maior, pensa Sofia, suspirando baixinho.

Chuva miúda


Ás vezes os planos parecem morrer por coisas simples. Ou então fazem-se adiar. E deixam-se adormecer na preguiça de voltarem a recomeçar. Foi o que a Júlia logo lhe disse quando a viu chegar no conforto do seu velho companheiro. Disseste adeus á bicicleta? Sofia sentiu-lhe a ironia. Quase sentiu raiva da chuva miudinha de que tanto gostava quando se sentava á lareira nos dias de inverno e escutava Diana Krall ou outra voz que a embalasse e a transportasse para outro mundo que não o dela.
Aquele cabelo rebelde não gostava de chuva. Acordavam os caracóis que despontavam por todo o lado sem qualquer sentido estético. Houve um tempo em garota em que deixava que a chuva lhe moldasse os caracóis. Ainda o cabelo era virgem. Nada de tintas. Ficava sedoso e os caracóis brincavam harmoniosamente. Tivera canudos. Como tudo se modifica!
Acorda Sofia! Ultimamente andas ausente Ficaste com a bicicleta em casa! Voltou a ironia. Pois, a bicicleta…
Não, não adiara planos. Iria voltar á bicicleta. E mais, á fotografia. Descobrira ontem a velha máquina. Talvez até comprasse uma digital. Agora de bicicleta, pararia mais vezes, via mais coisas. Apetecia-lhe gravar o que via. Guardar.
Às vezes perguntava-se se não seria da idade. Ou da solidão.
Quando tudo se vai…

quinta-feira

A bicicleta


A última decisão que tomou foi a de ir de bicicleta para o trabalho. Foi no início da Primavera. Não podia ser em melhor altura. O tempo sorria ainda tímido mas decidido. Precisava de começar a mexer. Por dentro e por fora. Revirar-se. Dar luz ao avesso de si. Arejar. Vida nova podia começar agora. Nas pedaladas que daria ao começar o dia.
Já era tempo. Apesar de enferrujada como também a bicicleta estava. Um pouco aqui e ali. Nada demais.

Soube-lhe bem. Apesar de entorpecida e quase sem sentir as pernas quando desceu da bicicleta. Anestesiada.
Como andava da vida. Por tanto tempo…
Andou o que lhe faltava sem saber como. Foi de cor que o fez. Como tanta vez o fazia. Sentiu a vontade e a urgência de fazer coisas inesperadas. Coisas nunca feitas.
Amanhã faria um percurso diferente. Mesmo que saísse ainda dormente teria de aprender a fazê-lo doutra forma por outros lados.
Precisava mesmo de o fazer acontecer.
Sentia ter feito uma boa decisão. Pequena, simples mas importante.

Sorriu. Inspirou profundamente, sentiu-se feliz.

Quase perfeito



Sabe bem ter-te por perto
Sabe bem tudo tão certo
Sabe bem quando te espero
Sabe bem beber quem quero

Quase que não chegava
A tempo de me deliciar
Quase que não chegava
A horas de te abraçar
Quase que não recebia
A prenda prometida
Quase que não devia
Existir tal companhia

Não me lembras o céu
Nem nada que se pareça
Não me lembras a lua
Nem nada que se escureça
Se um dia me sinto nua
Tomara que a terra estremeça
Que a minha boca na tua
Eu confesso não sai da cabeça

Se um beijo é quase perfeito
Perdidos num rio sem leito
Que dirá se o tempo nos der
O tempo a que temos direito

Se um dia um anjo fizer
A seta bater-te no peito
Se um dia o diabo quiser
Faremos o crime perfeito