sábado

Nada e tudo


Como se lhe ouvisse os pensamentos, Júlia disse-lhe, o Francisco ligou-me esta semana. Não esperou pela reacção de Sofia e voltou aos papéis em que tinha começado a mexer.
Sim? E porque não disseste nada? Como está ele?
Está no Egipto, respondeu, ignorando a primeira pergunta, com uma equipa de americanos e egípcios numas escavações. Falou-me dum projecto com um professor universitário egípcio que vão iniciar brevemente, mas antes vai voltar aqui porque quer estar comigo. Disse duma só vez.
E que achas de tudo isso? Perguntou Sofia.
Que acho? Que hei-de achar? Respondeu com algum espanto.
Sofia tentou explicar melhor. Como te sentes em relação a isso?
Júlia que esperava algumas “recomendações” ou avisos, ficou sem saber o que responder. Não sabia muito bem o que responder nem muito bem o que sentir. Ainda amava muito Francisco. Sabia ter-lhe dado muito. Sentira ter recebido também muito. Não percebera ainda porque saíra ele tão abruptamente da vida dela e pudera continuar como se nada tivesse acontecido. E agora… Agora aparecera como se só tivesse ido comprar cigarros e ainda por cima não fumava. Não, não sabia ainda o que sentir além duma grande vontade de o rever. O resto revelar-se-ia quando tal acontecesse.
Foi o que disse de forma titubeante a Sofia.
Esperou que da boca de Sofia viesse uma resposta iluminada e só lhe veio um olhar e um gesto de conforto. Fez-lhe um olhar interrogativo. Queria mais.

Não sabia que Sofia tinha também decidido não ser mais “muleta" de ninguém.
Estaria para ajudar, nunca para julgar. E percebera pela vida fora que ao emitir juízos pelas acções dos outros agira de forma errada. Era por um lado o suporte das suas acções na frase mágica “ vês como tinha razão!” e a consciência exterior do outro. Júlia não o queria ser mais. E não queria que ninguém o fosse por ela.
Percebera que em cada um havia razões que só ele entenderia para agir de forma a sentir-se mais feliz e ninguém poderia roubar-lhe essa felicidade fosse do tamanho que fosse.

Abraçou Júlia. Calou-a quando lhe disse. Nada esperes e no entanto, espera tudo!

Um comentário:

  1. Anônimo13:45:00

    Entre o tudo e o nada é onde me encontro agora. Não sei sequer se é tudo, se é nada, portanto devo estar entre eles, vazio de referências, de luz...
    Parabéns por este novo espaço, Rosa. Caminhas, se calhar sem te aperceberes, para histórias mais demoradas. Quem sabe um dia demorarei várias horas a ler uma delas. Com o prazer com que leio estas que vais partilhando. Pedro Margens

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